Aviso de conteúdo: Afogamento, depressão, menção à morte/mortalidade.

Minghao passou a vida toda sendo o típico garoto mimado. Filhinho de papai, riquinho e metido que só tinha interesse naquilo que satisfazia suas vontades e que aos poucos foi aprendendo a manipular ao máximo de suas capacidades as pessoas ao seu redor para que elas estivessem mais dispostas e satisfazer tais vontades. Estava acostumado com bajuladores e admiradores, com gente “puxando seu saco”, o paparicando constantemente, e gostava disso. Era um exímio membro da elite, conhecia seu papel e não apenas sabia como cumprí-lo, mas também como usá-lo em benefício próprio.

Quem conheceu o rapaz no passado, na época da escola, mal acredita que se trata da mesma pessoa. Apesar de fisicamente ele não ter mudado muito (salvo os momentos em que aparece com outra cor de cabelo, claro), mas a personalidade e a forma de ver o mundo do rapaz deu quase uma virada completa. Tudo por conta de um fatídico dia: estava na confraternização de formatura do ensino médio, os alunos haviam se organizado para juntar dinheiro (dos pais) e assim pagar por uma viagem para uma cidade próxima com direito ao aluguel de uma casa de praia.

Durante toda a adolescência Minghao tinha uma mania muito feia de esnobar quem demonstrava ter interesse nele. Sabe como é, pra amaciar o ego e tal. Quanto mais a pessoa parecia gostar, sentir atração, desejar, mais ele se divertia iludindo e usando aquela pessoa para seu benefício. E claro que durante essa viagem o rapaz tratou de escolher uma “vítima”, né? O rapaz até que era bonitinho, mas era bonzinho demais para o gosto de Minghao, certinho demais. Só não tinha como prever o que aconteceria depois.

Tudo foi rápido demais, um acidente. Minghao tinha bebido, estava tudo escuro e quando se deu por si, já estava no fundo da piscina. Não conseguia entender muito bem por que não estava conseguindo nadar para a superfície; sentia o peso em sua perna, mas não conseguia entender o que era. A visão já antes turva ia ficando mais obscurecida à medida que ia apagando, pouco a pouco, até não conseguir mais ver nada, ouvir nada, pensar em nada. Nada. Paz.

Acordou assustado, a respiração ofegante, sentindo as pancadas em seu peito. A luz clara o cegava e mal conseguia reconhecer todos aqueles rostos que se tumultuavam ao seu redor. Os paramédicos depois disseram que Minghao chegou a, de fato, morrer por alguns instantes. Talvez o pior teria acontecido, se não fosse pelo rapaz que o tirou da piscina e chamou por ajuda. E, por ironia do destino, Minghao agora sentia que tinha uma dívida eterna com o garoto que passou o semestre todo iludindo.

Aquilo foi como um ultimato na vida do garoto. Um divisor de águas. Algumas pessoas que passam por experiências como essa começam a ser mais otimistas, ver o lado bom da vida. Outras buscam na espiritualidade um acalento, tentando se aproximar do que quer que tenha salvado sua vida. Minghao, não. Na verdade, era quase como se, depois do episódio, o mundo tivesse perdido um pouco da sua cor.

De repente ficou difícil ver sentido nas coisas agora que ele era a prova viva da ideia de que “para morrer basta estar vivo”, e de que lá do “outro lado” nada além de uma escuridão fria e úmida o aguardava. Não tinha mais interesse em seguir com os planos que tinha feito em conjunto com os pais (ou melhor, por pressão deles), e aos poucos foi os vencendo pelo cansaço. Nesse meio tempo também descobriu uma nova paixão: a arte, e era nela que ele buscava algum amparo.

Depois de uma certa desistência por parte dos genitores, eles acabaram cedendo, mas numa tentativa de afastar o máximo possível seu “fracasso” como pais, mandaram Minghao pra bem longe. Ele poderia, sim, fazer a faculdade de belas artes que tanto queria, mas que fosse estudar lá em Pequim! E assim foi, sem muito reclamar, na esperança de que o novo o ajudasse a ver graça na vida. Ajudou um pouco, mas não tanto quanto imaginava.

Hoje formado, Minghao volta para a cidade natal sem deixar nenhum laço muito estreito com a cidade onde passou seus anos de universitário, e com a certeza pessimista de que nada vai mudar. Voltar para a casa dos pais não era uma possibilidade, então foi procurar seu próprio apartamento, encontrando em Yangpu um novo lar para si e para seus gatos.